Dois

Prosas e Poesias, Cerejas e Mares

dia_dos_namorados

“O sofrimento proporciona-nos a melhor protecção para a sobrevivência, uma vez que aumenta a probabilidade de darmos atenção aos sinais de dor e agirmos no sentido de evitar a sua origem ou corrigir as suas consequências.”

DAMÁSIO, António, O Erro de Descartes

A propósito de Cold Movie Nights

A propósito do filme, tenho pensado acerca da minha opinião sobre a cena da mulher casada que tem um caso com o homem brasileiro, mais novo que ela, e que, também ele trai a sua mulher, que descobrindo a infidelidade volta para o Brasil.

Ambos, mulher casada e homem brasileiro, traem a relação oficial que têm. Porquê? Percebo que ela procure a vida que o seu casamento não tem. Um homem brasileiro, que a faz viver o inteiro prazer de ser uma mulher. A paixão, o irracional, o risco. Aquele frémito que torna mais real a vida. Que a torna, deliciosamente, imperdível. Mas percebe-se que ela quer acabar com essa aventura. Não lhe atribui nenhuma lógica, para resistir ao normal curso da sua vida. Toma a decisão de acabar e exercendo o seu poder na sua empresa deixa de dar trabalho ao fotógrafo, independente de ele ser, ou não, competente, de ele poder, ou não, ficar sem trabalho. Ela torna-se, de repente, o contraste da mulher que chega a um apartamento, onde se encontra com o seu amante e não resiste ao seu corpo, ao prazer. Uma mulher que parece ganhar juízo e voltar ao seu marido, que a ama, e do qual tem uma filha. Aqui é o meu ponto. Que espécie de escolha fez esta mulher? Do meu ponto de vista, esta mulher decide ser mãe e esposa e só isso. Nega o seu direito à paixão, talvez ao amor e segue aquilo que é correcto. Um marido que gosta dela, uma filha que, por ter problemas (de atenção), necessita de um cuidado e dedicação total de mãe. Mãe que sempre acompanhou competentissimamente a filha, e que, de forma eficiente, põe a par o pai e marido, do que tem que observar na filha, do que tem perdido, que papel tem de desempenhar. Como deve ultrapassar as consequências psicológicas da sua ausência de pai. Talvez pela filha, também por ela parece preferir assumir o seu papel ao lado do marido e pai e serem uma família convencionalmente normal. Numa última cena, em que o marido apresenta a esposa, aos tipos que lhe fazem chantagem, ele diz e mostra orgulhosamente: «a minha mulher» – mostrando-a linda e deslumbrante, apetecível para qualquer homem. N entanto acrescenta que ela gasta muito dinheiro em compras (compensação?) e vê-se então uma mulher sofisticada, mas adaptada a uma vida de luxo, com vários sacos de compras, embora sem nenhuma paixão. A escolha do útil, do seguro, do lógico, do previsível, do que é suposto ser, e não uma escolha por amor ou por paixão. Do brasileiro sabemos que traia a mulher (o que parece errado) e que esta, descobrindo, o deixou. Sabemos também que ao sair do apartamento ele diz, declarando-se e assumindo a sua coerência para a traição, que ama a mulher casada, a sua amante e que ela nunca percebeu isso. Ele tinha escolhido, por amor a sua amante. Sendo vítima da traição do marido, a mulher do brasileiro escolhe deixá-lo e por fim à aventura americana. Mesmo que tivesse sido a aventura que mais a seduzia. E essa sedução pelo risco iria dando errado, novamente. E o homem? Porque volta ele para a mulher? Porque não a trai? Porque a aceita de volta? Por amor? Por cobardia? Pelos princípios do santíssimo matrimónio? Pela culpa que passaria a sentir, por educação. Talvez por amor. Esse nobre acto e sentimento que quase ia sendo posto em causa.

Tudo escolhas. Mas o mais interessante é o facto de todas as personagens terem sempre dois lados, terem dos pontos de vista possíveis. Fazerem a escolha. Por vezes racionais. A maior parte das vezes quase instintivas, um feeling. O amor é um risco. Este filme ajuda a pensar nisso. Uma boa escolha…

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Uma resposta a “O Sofrimento e a Sobrevivência”

  1. Avatar de Vera
    Vera

    A questão do homem aceita-la ou não de volta não se coloca aqui. Ele não chegou a saber que ela o traía. Se soubesse seria muito pouco provável que conseguisse perdoar e conviver com isso. Ainda que esse milagre acontecesse, ficaria sempre a desconfiança perante cada silêncio ou comportamento menos típico. A falta de confiança, pilar de uma relação, instalava-se naquela casal e isso só é comparável a um tumor maligno sem cura. Mata. É só uma questão de tempo.

    A mulher casada viverá sempre entre o sentimento de culpa pelo que aconteceu e a angústia de ter abdicado da sua felicidade. Optou por uma relação sem chama, funcional, cômoda, cinzenta. O não ser infeliz mas também não mais saber o que é a felicidade. Ainda que o amante brasileiro não fosse a resposta. Demasiadas diferenças. Uma relação que interpreto como oportunista. Ele falava-lhe do trabalho que ela lhe prometera. Um homem habituado a trair a sua mulher. A sua mulher que descobriu esta traição mas que refere também as muitas mais. O marido também deixou de ser a resposta. Infelizmente. Mas a vida é assim, não amamos quem queremos ou deveríamos amar. Amamos sem razão, só porque sim.

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