Dois

Prosas e Poesias, Cerejas e Mares

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Há uma vertigem, que nem sempre se sente, quando se faz a curva e se abandona o bairro onde nasci. Nunca ninguém desejou voltar, regressar, e isso faz com que aquele lugar vá morrendo. Ao mesmo tempo, tornou o bairro inalterável. À excepção dos que partiram, para outros locais ou desta vida, é possível cumprimentar todos. Todos mais velhos, mais desfigurados, mas sem haver desconhecidos. Isso torna cada visita numa conversa. Um diálogo com alguém é sempre composto de três partes. Depois de uma breve introducao para ajudar a memória a lembrar de quando se partiu ou onde se morava ou de quem se é filho, vai-se directo à segunda parte. Nessa parte evoca-se qualquer episódio bom, mau, estúpido ou simplesmente sem nenhuma espécie de interesse. A conversa fica fácil. Ao primeiro toque, como um eterno jogo que sempre esteve a acontecer na televisão do café . Já nao se bebem meios bagaços, toda a rua esta alcatroada e nao há casas em construção para serem esconderijos. Taparam o rio, e com isso as melgas também se foram. A terceira e ultima parte do diálogo é um simples até logo. Daqueles que implicitamente sabemos que nao é até logo, nem até qualquer dia. É adeus, com elevada probabilidade de ser para sempre. Um destes dias terei de lá voltar, ao meu bairro, e se isto tudo nao acontecer desta maneira ficarei confuso, quase sem passado. E alguém sem passado nao pode nunca perceber o que vê. Nao percebe o que sente e, sobretudo, nao faz parte de nada. Porque sem olhar para os fantasmas do bairro é impossível viver tranquilo.

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