
Olhas para mim meu amor, e tanta vergonha de não te saber mostrar os escombros que eu piso. Ruínas mascaradas de fugas inconsequentes. Como qualquer coisa que se deixa quando subitamente temos de partir. Reparei tão bem no momento, que ao deslizares o olhar para me dizer adeus, já não era eu que lá estava.
Confessas que continuas o teu rumo porque ao pé de mim cheira a lodo. Confesso, sou orgânico e disso padeço. Um mestiço que a cor quase não demonstra, mas que a viagem denuncia. Gosto, ou tenho vergonha, desse meu olhar, que resulta do cruzamento entre o dono e o escravo. Dói-me às vezes fazer essa dragagem da alma. Levanta-se uma poeira, como nevoeiro em água parada. Como vapor que se solta quando o ferro incandescente toca na água. Passo a não querer ver para não ser visto. Tanto treinei o silêncio que agora só me pode restar tirar proveito das despedidas. Sou astúcia. Guerreiro sem exército. Errático. Camarada de ninguém. Dono que não conhece o cão. Pirata que desaparece na véspera do desembarque. Amante que não sabe deixar rasto. Nada me faz mais sentido que a tua mão a ser retirada de cima da minha. E que lamentos posso bordar nos teus lençóis brancos? Eu vestido de plumas e de elmos. De couraças do tempo de menino. Cada vez mais determinado a ficar perdido. Nem sequer me angustio quando mergulho de cabeça nesse poço de cheiro terrivelmente conhecido. As memórias que já nem me lembrava de te ter contado num dia de frio. Como este maio, em que chovem pedaços miudinhos, minúsculos, de coisinhas que nunca vi. Eu percebi sempre que este seria o momento de começar a correr, o momento em que as dúvidas têm de ficar para trás. Como se isso fosse possível aos olhos de alguém.
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