Obrigado por tudo. E as palavras, sem ruído algum, voam como pássaros a caminho de uma tarde de sábado, de qualquer sítio onde poisar. Ficam imóveis para não assustarem o que fica para lá do nevoeiro. Um arcanjo que é conhecido de todos e ninguém consegue descrever. Obrigado por tudo. A forma mais elegante e despojada de dizer adeus. Vaguear o olhar breve em redor de um vazio insustentável. Dizer rendo-me, sou incapaz de continuar a perder o que resta e que não tem forma. Não é de castelos e de prados verdes que falo do que perdo, nunca foi. Parece uma súplica, entre, entre o lamento muito ter de partir e o deixa-me partir para de onde vim. Como não sei bem de onde vim, repito muitas vezes, em silêncio, unindo as palmas das mãos e baixando um pouco a cabeça. Uma reverência extra a pessoas completamente descartáveis da já longa história de nós, desde o paleolítico. Quando eramos velozes, perspicazes, eramos mesmo um grupo, não havia alternativa de sobrevivência. Estes milímetros de tempo tiraram-nos isso, e em vez de instinto, colocou muitos tratados e muita papelada.
Repito muitas vezes, em silêncio, Obrigado por tudo. Antes de me abraçar aos mortos, de me abraçar até a mim próprio, estou grato pelo tempo em que não sabia que era possível cair sem amparo. Como lágrima que não derrama, apenas se contém num espécie de dor no peito. Os olhos vermelhos e o lábios não conseguem esconder. Tão só isto que é impossível nao perceber as correntes dos oceanos, os ventos, as marés. Coisas de cartografia, mapas e bússolas. Cheiros de monstros marinhos dentro de mares sem nome e de leões selvagens desenhados em paredes de vidro. O tudo de que falo, passa pela África, onde nunca estive, e por lugares sem nome, onde cresci. Nunca soube. Uma mestiçagem de Lua e Sol, de bem e mal, de pudor e de nudez, de certo e errado, de tudo e de nada. Uma balança que vai esfixiando, sem se saber porquê ou para quê. Obrigado por tudo, vou repetindo antes de gritar. Obrigado por tudo e dirijo-me para aquela porta, que nem sequer sei se servirá para sair ou entrar. No final do obrigado por tudo, acrescento um beijo. Como se acrescenta uma vírgula, para respirar um pouco. Um anexo, para ganhar tempo, um índice para não me esquecer de nada. Acrescento um beijo, em que as próprias letras aparecem ordenadas, num alfabeto de fantasmas e lendas que sempre me foi acompanhando. A pegada que se eterniza numa alma que nãoseráminha para sempre. Uma existênciapostiça em que abundam chapéus, máscaras, entulho, silêncios. A terrivel sensação de ir vivendo em vez de viver ou ir morrendo em vez de morrer. Obrigado por tudo. Beijo.
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