Nem sei se quero ouvir esta música. Onde andava eu em 1994? Que fazia? Que sonhos viajavam comigo? Projectos, responsabilidades. Andava perdido como sempre? Recordo que me achava diferente. Por ser tão competente, tão ambicioso e ao mesmo tempo tão triste. Com uns olhos muito velhos numa cara jovem. Falava muito. Queria ser popular, ser charmoso, elegante nos modos. Com todos. Era o líder do jantar, do grupo, da corrida, da fuga. Recordo que, por vezes, também falava sozinho. E escrevia coisas em sítios que nunca mais me lembrava. Conhecia gente como eu. Sempre de passagem. Gente feita de música e de abandono. Nem sequer reparava que tu poderias não gostar. Nem me lembrava disso. E eu sabia que não gostavas. E sempre o esforço máximo a ser exigido, sempre a avaliação, o teste, o viver no limite. O mais difícil foi convencer-me que gostava dessa adrenalina. Tinha de gostar, não era? Para não ter me justificar, ter de te contar que já nada me fazia feliz, em nós. Ter uma conversa em que conseguisse lembrar-me de tudo o que não gostava. O que não gostava em ti, em mim, em tudo. Sentia tanta pena de nós. E a única solução que sabia era essa mesmo. Fugir cada vez que me sentava na minha cadeira preferida. A de me esconder no meu sucesso e na minha solidão. E tu sem culpa. E eu a sentir-me tão culpado. Tão abaixo das expectativas de todos. Eu, cobardemente sentado no meu cadeirão. Com o meu cão. Eu, uma mistura de náufrago, de viajante, de sucesso e de muito trabalho. Sempre nesse movimento pendular entre o herói e o filho da puta. Desculpa lá hoje ter tido tantas saudades tuas. Fazes-me falta para eu desabafar estas coisas. Infelizmente não posso prometer que não voltarei a ter saudades tuas. Nem sei como isso se faz. Não é bem prometer que eu queria. O que eu queria era esquecer-te para sempre. Queria desnascer. Mas sei que nunca conseguirei esquecer-me de ti. Amanhã vou ter contigo, sentir o frio. Lembrar-me daquele curtíssimo instante em que eu cheguei ao pé de ti. Tu desfeito em sangue, atravessado na cama, e eu a tocar-te na cara, a sentir-te frio. A colocar a minha cara tão perto da tua boca. Queria sentir uma aragem, um movimento do teu ventrículo. Fechei-te os olhos e anunciei que tinhas morrido. Senti tanto medo pai, de me estar a enganar e afinal não estavas morto. Mas estavas. Depois tive de ir tratar das coisas, afinal é esse o papel de um chefe, perante as adversidades.
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